domingo, 10 de maio de 2009

Bucólico


O Tempo e a Saudade

Madrugava diariamente, cesto na cabeça, ia cantando uma melodia gostosa, saudando o sol, que ia se espreguiçando no horizonte. Ao chegar no riacho incandescente, tirava do cesto as almas encardidas que havia recolhido na noite anterior.Com suas lágrimas, lavava-as com o alvejante do seu coração. Algumas mais encardidas que outras, sempre tomava cuidado para não maculá-las ainda mais.
Era ela quem cuidava também de fazer os remendos nos corações esburacados, com a tênue linha da esperança. Trabalhava incansável diante da tarefa árdua a que tinha sido escolhida. Não muito raro, compadecia-se junto das almas dos amores não correspondidos, e chorava o sangue dos amantes traídos.
Diante disso tudo, um dia sentiu-se só. Solidão, palavra que conhecia tão bem, mas nunca teve que experimenta-la junto de sua própria alma. O tempo foi urgindo e aquele sentimento foi crescendo dentro dela.
Num entardecer de primavera viu, ao longe uma figura aparecer ao longo daquelas paragens. Era o próprio tempo, que com seus cabelos negros foi chegando cada vez mais perto. Sabia antes de acontecer, estaria apaixonada. E foi. O tempo a envolveu, amaram-se.
O tempo ficou parado, por tanto ou tão pouco tempo, que ela mesma não pode precisar. Mas ele partiu, o tempo precisa continuar, dizia ele. Depois disso, passados alguns meses, descobriu-se grávida da saudade. A gestação foi tão doída quanto o parto, dói ter saudade, dizia ela.
Na madrugada do parto, as contrações sentidas pela mãe da saudade foram imensuráveis. Com a ajuda do abraço do sol saudade nasceu. Sua mãe, feliz com a saudade que podia sentir entre seus braços, chorou, um misto de alegria e tristeza que só mesmo a saudade pode dar.

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